Investigação defensiva no âmbito das fraudes praticadas na atividade empresarial
quarta-feira, 10 de setembro de 2025
Atualizado em 9 de setembro de 2025 09:06
Amplamente utilizada em diversos países, a investigação defensiva foi regulamentada no Brasil pela Ordem dos Advogados do Brasil em 2018. O provimento 188 do Conselho Federal da OAB estabelece esta técnica como uma prerrogativa profissional do advogado e a define como "o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, (...) visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte"1.
Mesmo sendo relativamente recente na prática brasileira, o STJ já reconheceu a sua legitimidade como meio de constituição de acervo probatório, inclusive ressaltando a sua relação com "a cláusula constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV), no que esta busca garantir a paridade de armas entre os interesses probatórios do órgão acusatório e da defesa técnica da parte ré, ambos almejando certificar a veracidade de suas versões"2.
A doutrina pátria, por sua vez, valida a aplicação da investigação defensiva não apenas para os investigados e acusados em geral, podendo também "ser realizada em favor de outros sujeitos processuais, a exemplo da vítima nas suas mais variadas posições (querelante e assistente de acusação)"3.
Ainda assim, nota-se que o seu uso é limitado e muitas vezes encontra resistência, seja pelo pouco conhecimento que se tem do assunto, seja porque a investigação defensiva é comumente vista como um grande dispêndio para o cliente contratante. Nesse contexto, acaba sendo considerada como algo desnecessário dentro da estratégia de atuação traçada pelo advogado.
No entanto, tal raciocínio não leva em consideração os efeitos benéficos da realização de uma investigação defensiva, que pode trazer inúmeras vantagens para a condução do caso, seja quanto à obtenção do resultado que se pretende com o trabalho do advogado, seja quanto ao tempo e aos gastos que serão empregados para essa finalidade.
A investigação defensiva pode ter impacto positivo em investigações e processos voltados à apuração de quaisquer modalidades de crimes, mas é nas fraudes cometidas no âmbito empresarial que o seu potencial se mostra especialmente valioso. Esta ferramenta pode otimizar consideravelmente as apurações de fraudes e facilitar em muito a identificação dos responsáveis e a tutela de direitos daqueles que forem lesados.
Fraudes corporativas, cometidas interna ou externamente, são delitos que, em geral, demoram a ser identificados e investigados por órgãos oficiais, principalmente quando envolvem grandes corporações. Em estruturas empresariais complexas, que contam com mecanismos de controle descentralizados, a obtenção de evidências de práticas criminosas pode se mostrar muito difícil.
Em muitos casos, quando a prática fraudulenta se torna conhecida pelas autoridades, os envolvidos e testemunhas já não estão mais ligados às empresas e já se desfizeram das possíveis provas dos atos que serão investigados. Além disso, para que os órgãos oficiais de investigação (Polícia e Ministério Público) possam acessar documentos pertencentes às empresas, principalmente os de caráter financeiro e fiscal, é necessária, em muitos casos, a obtenção de ordem judicial.
Diante deste cenário, uma investigação defensiva bem conduzida aumenta consideravelmente as chances de sucesso na obtenção e na preservação das provas necessárias para a correta apuração destes ilícitos, proporcionando, ao final, resultados mais eficientes. A realização da investigação possibilita:
- Levantar evidências que demonstrem a existência (ou não) de práticas fraudulentas;
- Obter elementos que indiquem quem são os envolvidos nas práticas identificadas;
- Estabelecer conexões entre os envolvidos e os benefícios obtidos ilicitamente; e
- Estimar a extensão dos prejuízos.
Ao viabilizar a obtenção de todas estas evidências, uma investigação defensiva pode facilitar em muito que aquele que se encontra de alguma forma afetado pela fraude corporativa adote ações corretivas, principalmente aquelas que visam à responsabilização dos envolvidos perante as esferas administrativas eventualmente competentes e o Poder Judiciário, com a indenização dos prejuízos apurados.
Além disso, a investigação defensiva proporciona elementos para que sejam, igualmente, adotadas medidas preventivas, com o escopo de apresentar providências concretas e eficazes para corrigir eventuais falhas identificadas, prevenir a ocorrência de situações similares no futuro e fortalecer os controles internos.
Note-se que a investigação defensiva pode ser realizada a qualquer tempo, ou seja, em qualquer fase da persecução penal ou mesmo em procedimento de outra natureza, em qualquer grau de jurisdição.
Para tanto, compete ao advogado a realização das diligências investigatórias pertinentes para o esclarecimento dos fatos, "em especial a colheita de depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos públicos ou privados"4, além da requisição de laudos e exames periciais, podendo, para tanto, valer-se de profissionais com expertise (detetives particulares, peritos etc.).
Há de se registrar que, no exercício da prerrogativa que lhe garante o provimento 188/18, o advogado está limitado pela reserva de jurisdição5 e, ainda, pela voluntariedade no fornecimento de informações e documentos de fontes privadas.
Sem prejuízo desta ressalva, a própria empresa que se vê envolvida em um caso de fraude corporativa e opta por realizar uma investigação defensiva é uma fonte essencial de provas, podendo munir o advogado com inúmeras evidências (relatos, documentos, comunicações, registros etc.) que, se não corretamente obtidas e preservadas, dificilmente chegarão ao conhecimento de autoridades por meio de investigações oficiais.
Como visto, as possibilidades de obtenção de acervo probatório lícito por meio da investigação defensiva são amplas e podem ser determinantes para o sucesso das apurações de fraudes corporativas. Incluir tais possibilidades na definição da estratégia do advogado contratado vai além de uma análise de custos, exigindo a consideração dos diversos benefícios que podem decorrer de sua utilização. Do contrário, "o barato pode sair caro", como ensina o ditado popular.
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1 Cf. art. 1º do Provimento 188/2018 da OAB.
2 STJ, MS n. 26.627/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 9/3/2022, DJe de 27/4/2022.
3 SILVA, Franklyn Roger Alves. A investigação criminal direta pela defesa - instrumento de qualificação do debate probatório na relação processual penal. Disponível aqui. Acessado em 28/08/2025.
4 Cf. art. 1º do Provimento 188/2018 da OAB.
5 Cf. art. 4º do Provimento 188/2018 da OAB.