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Para Gilmar Mendes, requisição de dados ao Coaf exige autorização judicial

PGR contestou decisões do STJ que anularam provas obtidas sem prévia autorização judicial, mas ministro manteve entendimento de que o acesso direto ao Coaf fere a Constituição.

25/8/2025

O ministro Gilmar Mendes, do STF, negou pedido do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e manteve acórdãos da 3ª seção do STJ que consideraram ilícita a requisição direta de Rifs — relatórios de inteligência financeira — ao Coaf por parte do Ministério Público e da polícia, sem autorização judicial.

Segundo o ministro, o Tema 990 tratou do compartilhamento espontâneo de dados por órgãos de controle, e não da requisição ativa por autoridades de persecução penal. Por isso, reforçou que esse tipo de acesso a informações sigilosas depende de autorização judicial prévia, sob pena de violar a cláusula de reserva de jurisdição.

Na decisão publicada nesta segunda-feira, 25, Gilmar registrou que, até o julgamento do Tema 1.404 pelo STF, seu entendimento é de que a requisição direta de relatórios ao Coaf por parte do Ministério Público ou da polícia exige autorização judicial.

Gilmar Mendes reafirma necessidade de autorização judicial para solicitar dados do COAF.(Imagem: Antonio Augusto/STF)

Entenda o caso

A reclamação constitucional foi proposta contra acórdãos da 3ª seção do STJ que considerou ilícita a solicitação direta de RIFs por autoridades policiais e pelo Ministério Público, sem prévia autorização judicial. 

O PGR alegou que tais decisões afrontariam o entendimento firmado pelo STF no Tema 990, segundo o qual o compartilhamento de dados com órgãos de investigação não configuraria quebra de sigilo bancário e, por isso, não exigiria autorização judicial.

Distinção

Gilmar explicou que, no julgamento do Tema 990, o STF afirmou ser constitucional o compartilhamento de informações entre o Fisco e os órgãos de persecução penal, desde que decorrente de procedimento fiscal formalmente instaurado e que a disseminação dos dados seja espontânea, observando-se os requisitos legais do art. 198 do CTN.

Destacou ainda que, na ocasião, o relator, ministro Dias Toffoli, ressaltou que o intercâmbio de informações protegidas por sigilo fiscal, previsto no art. 198, §1º, II, “só pode ocorrer mediante a comprovação, pela autoridade solicitante, da instauração de processo administrativo, no respectivo órgão, cujo objetivo seja apurar o cometimento de infração administrativa por parte do sujeito passivo ao qual a informação se refira”.

Por fim, Gilmar frisou que, “afora esses casos específicos, (...) o intercâmbio de dados fiscais contidos no processo fiscal só pode ocorrer mediante autorização do juiz competente (art. 198, §1º, I)”.

Jurisprudência do STF

O ministro explicou que "o intercâmbio de dados fiscais pressupõe dois requisitos: (i) o servidor da Fazenda, no exercício de suas atribuições, deve identificar indícios de prática delituosa pelo contribuinte; (ii) esse mesmo servidor deve elaborar a representação fiscal para fins penais e remetê-la ao Ministério Público.

O caminho inverso — requisição direta do Ministério Público — não encontra respaldo na jurisprudência do STF, o que também se aplica à autoridade policial."

Assim, afirmou que enquanto o tema não for decidido pelo Plenário, deve prevalecer a posição da 2ª turma, que se ampara na Constituição e em diversos trechos do acórdão proferido no julgamento do Tema 990.

Casos concretos

Nos casos concretos analisados na reclamação, Gilmar observou que a atuação do Coaf não foi espontânea nem resultante de ação fiscalizatória própria, mas sim induzida por provocação da polícia judiciária, o que desnatura a finalidade legal dos RIFs.

O ministro pontuou que, para serem considerados lícitos, os RIFs devem obedecer aos seguintes requisitos:

Pescaria probatória

No voto, o ministro também abordou o risco da chamada pescaria probatória (fishing expedition). Ao examinar os três casos concretos, concluiu que os RIFs foram solicitados antes da abertura formal de investigação ou sem autorização judicial, o que configura essa prática vedada. Por isso, manteve os acórdãos do STJ que reconheceram a nulidade dos relatórios e das provas derivadas.

"Esta Corte já assentou a impossibilidade de geração de RIF por encomenda, que, em certos casos, acaba funcionando como verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), razão pela qual a confecção desses relatórios deve obedecer a padrões rígidos de análise. Percebe-se, pois, a impropriedade do requerimento de RIF com base em VPI (verificação preliminar de informações), uma vez que tal verificação configura fase anterior à instauração formal do procedimento investigativo."

Garantias constitucionais

A decisão reafirma a importância da cláusula de reserva de jurisdição, prevista na Constituição Federal, e busca preservar direitos fundamentais como o sigilo bancário e fiscal.

Segundo Gilmar Mendes, o respeito a esses limites não impede o exercício legítimo das funções investigativas pelos órgãos de persecução penal, mas exige que o acesso a dados protegidos ocorra sob controle judicial quando houver requisição ativa.

O advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, do escritório Toron Advogados, atua nos casos.

Veja a versão completa

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